“Quantos metros de frente?”

Habitação multifamiliar moderna na Lisboa dos anos ’50: teoria e prática na cidade consolidada.

(Ricardo Agarez)

As ruas e avenidas da cidade de Lisboa foram pontuadas, ao longo da década de 1950, por realizações discretas, correntes, edifícios construídos todos os dias para habitação em andares, com uma arquitectura geralmente cuidada, conquanto condicionada, por vezes, pela inserção em parcelas resultantes de processos de urbanização antigos. Estes objectos ostentam, com maior ou menor acerto e expressividade, fachadas desenhadas com recurso às formas modernas de modelo internacional, retomadas e muito divulgadas após a Segunda Guerra Mundial como constituintes de um léxico de aplicação simplificada – que inclui, entre outros, a diferenciação de cores, texturas e planos, a profusão de elementos apostos (varandas, palas, grelhagens, lâminas), a tradução exterior do conteúdo estrutural da construção e o aproveitamento do potencial plástico de tal conteúdo.

Perante este universo de realizações, e considerando que, nas décadas de 1930 e 1940, muitas habitações semi-modernas (já sugerindo preocupações contemporâneas mas ainda fortemente marcadas por convenções oitocentistas) haviam sido envoltas numa capa de feição historicista e nacionalista, surge a interrogação: a actualização das composições de fachada faz parte de uma operação coerente de adaptação do programa habitacional às regras e princípios modernos – em situações, por vezes complexas, de integração em realidades antigas – ou é apenas uma nova capa, mais a par do seu tempo e simultaneamente menos dispendiosa, como a facilidade e rapidez da adesão dos intervenientes no processo faziam porventura temer?

Por outras palavras: até que ponto, na produção arquitectónica desenvolvida em Lisboa para este programa e durante este período, correspondeu, ao relativo grau de modernização das linguagens formais exteriores, segundo os estereótipos de um Movimento Moderno no auge da sua internacionalização, uma concepção moderna da célula habitacional em concentrações multifamiliares, tema de debates exaustivos e de propostas teóricas radicais durante os anos de consolidação daquele movimento?

A apresentação centrar-se-á na exploração do tema “habitação multifamiliar” no contexto da produção arquitectónica lisboeta dos anos ’50, dos seus antecedentes, linhas dominantes, constantes e regras, através da análise de um conjunto de exemplos concretos e menos conhecidos da prática quotidiana do período. Visa-se fornecer uma leitura cruzada da aplicação dos princípios modernistas na estrutura interna do fogo e na composição exterior do edifício, no contexto das condicionantes ditadas pelo tecido urbano consolidado, significativamente afastado da cidade livre, ideal, do modernismo.

Ricardo Agarez (Lisboa, 1972) é doutorando na University College London / The Bartlett School of Architecture (tese "Modern architecture, building tradition and context in southern Portugal", orientação Prof. Adrian Forty). Arquitecto pela FA-UTL (1996) e Mestre em História da Arte (Contemporânea) pela FCSH-UNL (2004). Investigador em Historia e Teoria da Arquitectura dos Sécs. XIX e XX, especialista em arquitectura modernista, habitação, arquitectura de serviços públicos e património edificado. Colaborador do Sistema de Informação para o Património Arquitectónico (IHRU).